Auto de Constatação em Portugal - Um Imperativo de Certeza e Segurança
Neste nosso tempo, perante o domínio avassalador da técnica e a absolutização do tecnológico, importa recuperar o sentido do Direito, assente na validade normativa e na reafirmação dos princípios.
Com efeito, o Direito não pode dispensar as exigências deontológicas ou a afirmação do valor e requer a existência de princípios gerais, entendidos, na esteira de Miguel Reale, como “as enunciações normativas de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas”.
Nestes termos, a par da Justiça, o Direito reclama certeza e segurança, indispensáveis à previsibilidade dos efeitos jurídicos e à planificação da vida em sociedade.
Ora, é, desde logo, a fidelidade a este desígnio de certeza e de segurança que reclama a clara e inequívoca consagração como meio de prova, em Portugal, do auto de constatação, aproveitando as virtualidades desta figura institucionalizada no direito francês por decreto de 20 de maio de 1955 e integrada no estatuto dos huissiers de justice.
Aliás, na experiência jurídica francesa, o auto de constatação começa por ser ditado por uma necessidade da prática judiciária, que acaba por se impor, em termos de consagração normativa, quer no Código Civil, quer no Código de Processo Civil sob o título “administração judiciária da prova”.
Em França, a eficácia deste meio de prova, que se tem assumido como fundamental na prevenção e na resolução de litígios, é inequivocamente demonstrada pelo facto de mais de dois milhões de autos de constatação serem realizados anualmente, nas mais diversas situações, desde o imobiliário às relações familiares, passando pelo urbanismo, pela construção, pelo ambiente, pela internet ou pela sociedade de informação.
Uma inundação, um acidente, o estado de conservação de um imóvel, a confrontação de prédios confinantes, o inventário de bens móveis em caso de separação, doação ou sucessão, o conteúdo das mensagens na Web são apenas exemplos de situações em que poderá ser aplicado o auto de constatação, garantindo a salvaguarda de direitos, prevenindo litígios, resolvendo contendas e, sobretudo, servindo a certeza e a segurança jurídicas.
A existência de um relatório objetivo e factual, realizado pelo Solicitador, num determinado momento histórico, dissipa dúvidas quanto aos factos, evitando conflitos, que, por isso, não avançam para tribunal, ou facilitando a sua decisão, nos casos em que o sistema de justiça tenha sido chamado para os dirimir.
O desígnio de “mais e melhor justiça” passa, portanto, pela consagração de ferramentas como o auto de constatação, que, pela força probatória que naturalmente encerra e pela objetividade e imparcialidade que lhe estão associadas, previne conflitos ou acelera a sua resolução, caso o processo tenha avançado, facilitando o papel do juiz.
Também no âmbito dos processos submetidos à jurisdição administrativa e fiscal, o auto de constatação e o reforço da intervenção do Solicitador e do Agente de Execução podem ser sinónimos de fluidez e de celeridade, favorecendo a estabilização das situações jurídicas respetivas.
Em particular, uma maior intervenção do Agente de Execução, quer no processo de execução fiscal, quer no apoio às autarquias locais, por exemplo, no exercício das competências que lhes são cometidas para processar e aplicar sanções no âmbito de processos contraordenacionais, permitirá um acréscimo de eficácia, atenta a experiência avolumada destes profissionais na condução da ação executiva, nos procedimentos cautelares e nas citações, com salvaguarda da certeza jurídica, ultrapassando muitas das dificuldade que as autarquias a este propósito revelam e que praticamente quase inviabilizam o exercício dessas mesmas competências.
Exemplificando: atento o respetivo conteúdo funcional e a eficiência da sua atuação, bem expressa nos últimos dados estatísticos disponíveis sobre a evolução da ação executiva, o Agente de Execução poderá, com garantia de independência e segurança, certificar uma infração, precisamente através de auto de constatação, com o mesmo valor jurídico que os autos de notícia a emitir por qualquer autoridade ou agente de autoridade que presencie contraordenação no exercício daquelas funções de fiscalização a cargo das autarquias, garantindo a eficácia e a celeridade, que a carência de meios com que esta se debatem, bastas vezes comprometam.
Atento o exposto, o auto de constatação não pode deixar de se assumir como um relevantíssimo meio de prova contra a eventual contestação de um facto ou de conjunto de factos, configurando uma forma segura e certa de demonstrar, num certo momento histórico, a realidade.
Sendo a segurança do direito e a certeza jurídica condição indefetível da paz social e garante de qualquer ordem jurídica, a positivação do auto de constatação na lei portuguesa é, pois, uma necessidade prática e um imperativo ditado pela [plena] afirmação dos princípios.