ONU | A caixa de pandora de António Guterres
“Art.º. 1
Os objectivos das Nações Unidas são: 1. Manter a paz e a segurança internacionais e para esse fim: tomar medidas colectivas eficazes para prevenir e afastar ameaças à paz e reprimir os actos de agressão, ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos, e em conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajustamento ou solução das controvérsias ou situações internacionais que possam levar a uma perturbação da paz;
2. Desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito do princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;
3. Realizar a cooperação internacional, resolvendo os problemas internacionais de carácter económico, social, cultural ou humanitário, promovendo e estimulando o respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião;
4. Ser um centro destinado a harmonizar a acção das nações para a consecução desses objectivos comuns”.
Fonte: Carta das Nações Unidas, 1945
(versão portuguesa em http://www.unric.org/pt)
A vitória da candidatura de António Guterres para o lugar de Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) é considerada por muitos como a maior vitória da diplomacia portuguesa desde a questão de Timor-Leste. Pela primeira vez na história daquela organização internacional, o cargo é ocupado por um português considerando a sua “longa experiência política e a forma exemplar como exerceu altos cargos internacionais”, conforme referia a nota do Ministério dos Negócios Estrageiros aquando da apresentação da sua candidatura. Apesar dos receios sentidos por parte de alguns diplomatas e analistas de que o consenso seria difícil de se conseguir após a tensão política existente entre Estados Unidos da América e Rússia nas questões mais prementes que constam da agenda das recentes reuniões, como a crise humanitária da cidade síria de Aleppo ou a política de expansão dos colonatos israelitas na Palestina, a verdade é que o mérito do candidato foi de tal forma incontestável que, findo o processo habitual de avaliações, resultou no próprio Conselho de Segurança a escolhê-lo por unanimidade para exercer a mais alta função da ONU. Assim, em 12 de dezembro de 2016, o sucessor de Ban Kin-moon prestava juramento perante a Assembleia-geral daquela organização intergovernamental.
“Art.º. 100
1. No cumprimento dos seus deveres, o Secretário-Geral e o pessoal do Secretariado não solicitarão nem receberão instruções de qualquer Governo ou de qualquer autoridade estranha à Organização. Abster-se-ão de qualquer acção que seja incompatível com a sua posição de funcionários internacionais responsáveis somente perante a Organização.
2. Cada membro das Nações Unidas compromete-se a respeitar o carácter exclusivamente internacional das atribuições do Secretário-Geral e do pessoal do Secretariado e não procurará exercer qualquer influência sobre eles no desempenho das suas funções”.
Fonte: Carta das Nações Unidas, 1945
(versão portuguesa em http://www.unric.org/pt)
Com o mandato a iniciar-se numa conjuntura internacional particularmente desafiante e pelas especificidades que encerra, a tarefa não se afigura nem fácil, nem igualmente inconsequente. Na verdade, perante a emergência das ondas de populismo no mundo dito ocidental, com processos eleitorais a culminar com mudanças significativas nas lideranças das principais potências e face a uma ordem internacional multipolar com novas dinâmicas em curso, entramos na era da incerteza. No seu discurso inaugural, António Guterres apontava a importância de uma política preventiva em detrimento de meramente reativa, tentando colmatar a narrativa crítica que tem atingido a organização nos últimos anos. Para o novo Secretário-geral da ONU, “onde a prevenção falha, devemos fazer mais para resolver conflitos”. De acordo com o seu discurso, as três principais prioridades estratégicas do seu mandato são o trabalho pela paz, o apoio ao desenvolvimento sustentável e a gestão interna da própria ONU. Tentando primar pela diferença desde o primeiro instante, compreendendo a necessidade de reforma e respeitando o princípio da igualdade de género, António Guterres fez-se ladear por uma equipa composta por mulheres experientes e com “stamina” (grande capacidade endémica) para os três principais lugares do seu novo gabinete. Tanto interna, como externamente, o novo líder das Nações Unidas terá forçosamente de tentar corresponder às expectativas em torno de si criadas e agilizar processos político-diplomáticos difíceis com vista a uma solução pacífica em prol da Humanidade, a tão almejada paz kantiana. Vários são os desafios mundiais que constam na sua agenda diária (“Caixa de Pandora”): conflitos armados em curso (caso da guerra civil síria), mudança climática e aumento do aquecimento global, aumento da desigualdade nas sociedades atuais, a questão dos refugiados na Europa, o eterno conflito israelo-palestiniano, a relação entre a nova Administração norte-americana e a Rússia de Putin, a tensão no Mar da China ou a luta contra o terrorismo internacional. Considerado um realista e detentor de capacidades negociais reconhecidas, António Guterres apresentou-se com a habitual acalmia nas suas novas funções e reiterou que “não é suficiente fazer a coisa certa, precisamos ganhar o direito para fazer a coisa certa”.
“A habilidade de ser um advogado dos verdadeiros valores universais é essencial na função de Secretário-geral para fortalecer a ONU e assegurar a sua centralidade e a confiança das pessoas.”
Fonte: Entrevista de António Guterres à Time, publicada a 20 de julho de 2016